quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Análise de Memórias de Martha

 



O texto principal consiste nas "Memórias de Martha," um relato íntimo que traça a vida da protagonista desde uma infância traumática e pobre no cortiço. A narrativa detalha a luta da mãe e a ambição de Martha para escapar da humilhação social e da pobreza, culminando em sua formação como professora. A experiência de Martha é profundamente marcada por eventos difíceis, como o suicídio do pai e o sacrifício incondicional de sua mãe, além de um amor não correspondido que a leva a um casamento de conveniência por estabilidade. 

O material complementa este panorama com outras narrativas curtas que exploram o destino e o sofrimento feminino em diferentes classes sociais. Entre essas histórias estão a tragédia rural de Nhá Tudinha e o conto de uma parteira que lida com o parto de uma mulher rica e uma indigente. O conjunto oferece, assim, um panorama de reflexões sobre a pobreza, a ambição e a busca por dignidade no Brasil do início do século XX.


As fontes fornecem um retrato detalhado e comovente da Morte do Pai de Martha, apresentada inicialmente como um evento traumático na infância e, posteriormente, como o catalisador da Infância e Pobreza que define sua juventude.
A narrativa conecta esses temas, mostrando como a morte não foi apenas uma perda pessoal, mas sim o início de uma vida de privações, vergonha e luta.
"...de quintal, onde havia um banco tosco e um tanquezinho redondo que servia de bebedoiro ás gallinhas. Era ali que eu lavava as roupas das bonecas. Lembro-me também do papel da salinha de jantar, cheio de chins e de quiosques; de um vão de janela, onde se armava o presépio, pelo Natal.
Os quartos, os moveis, os criados, de tudo isso me recordo ás vezes, mas numa fugaci­dade tal, que não me fica a sensação da sau­dade, mas a da duvida"

A memória da morte do pai é uma das poucas cenas vívidas que Martha retém de seus primeiros anos de vida, antes dos cinco anos. A experiência é marcada pelo medo e repulsa física:
  • A Cena da Morte: Martha lembra de entrar numa alcova e ver seu pai morto, muito magro, lívido, estirado sobre a cama, vestindo um hábito escuro de cordões brancos.
  • A Repulsa Física: Ela sentiu medo e foi obrigada pela mãe a beijá-lo. O frio e o cheiro do cadáver deram-lhe náuseas, e ela fugiu em pânico para o quintal.
  • O Pavor da Perseguição: Martha sentiu a frialdade do cadáver por todo o corpo. Com as costas unidas ao muro, ela sufocava as palpitações do coração, paralisada pelo espanto, temendo que a fossem buscar para "embrulharem-me na sua roupa de espectro".
  • Terror Religioso Associado: O pavor da cova negra não a assustava tanto quanto a ideia de ser levada, junto com o pai, à presença do "Pai do Céu", de quem lhe falavam como "uma punição para as minhas travessuras". Ela tremia, imaginando este Deus "tremendo, inflexível".  Luto da Mãe: A mãe, "chorosa", teve que convencer Martha, que se debatia entre seus "braços frágeis", de que a queria viva para a "consolação dos seus dias negros". Martha voltou para casa "desconfiada". A "medonha sensação" da morte do pai foi o que lhe ficou.
"Das cenas lembra-me a da mudança: um homem zangado mandando pôr os nossos trastes na rua, e minha mãe chorosa aconchegando-me a si uma vez em que entrei numa alcova onde estava um homem morto, muito magro, lívido, estirado sobre a cama, com um habito escuro de cordões brancos, as mãos entrelaçadas e o queixo amarrado com um lenço. Era meu pai. Tive medo; minha mãe obrigou-me a beija-lo. O frio e o cheiro do cadáver deram-me náuseas; quis sair, ela prendeu-me nos seus braços nervosos, supus então que me quisesse fechar cora o defunto no mesmo caixão que ali estava já escanca­rado, e fugi em um arranco para o quintal".
"Na morte, não era o pavor da cova negra o que me assustava mais, era a presença do Pai do Céu, de que me falavam a todo o instante, como uma punição para as minhas travessuras e um prêmio para virtudes que eu não conhecia e me pareciam de assombro!"
"Ela (mãe) passava a vida em viagens [...[ agenciando negócios; eu agarrada ás saias de minha mãe e de uma velha mulata religiosíssima, e que toda se desmanchava em contar-me historias de santos, milagres, tormentas, mistérios, obras divinas a enor­mes pecados que me faziam tremer!"
O Contexto Mais Amplo: Desonra e Pobreza
Apenas anos depois, Martha descobre a verdade sobre a morte do pai, o que aprofunda o trauma e a insere definitivamente no mundo da pobreza e da humilhação.
  • A Causa da Morte e o Declínio: O pai, que era caixeiro viajante para juntar um dote para Martha, foi roubado do dinheiro dos patrões (da firma Braga & Torres). Como ninguém acreditou em sua sinceridade e para evitar ser preso, ele cometeu suicídio por veneno.
"Foi na ultima das suas viagens que lhe roubaram o dinheiro dos patrões que ele trazia consigo... Muitos contos de réis... Foi a nossa desgraça. Ninguém acreditou na sinceridade e para não ser preso ele fez a loucura de matar-se ! Toda a minha alma se afundava numa dor imensa".


 

  • A Culpa Pessoal: Martha chora pela primeira vez a morte do pai ao entender a situação. Ela se amaldiçoa silenciosamente, convencida de que "Não fora eu, o motivo de tudo? Por causa do meu dote a sua desonra!".
Chorei pela primeira vez a morte de meu pai, maldizendo-me, silenciosamente. Não fora eu, o motivo de tudo ? Por causa do meu dote a sua desonra! 
Pedi então a minha mãe que me explicasse : Qual era a firma da casa de que ele era empregado?
— Braga & Torres.
— Como receberam a noticia de sua morte?
— Como a confirmação da culpa, respondeu-me ela num suspiro.
Que morte escolheu?
— O veneno.
Tremi.
Sobre o pano que eu cosia caiam-me as lagrimas , minha mãe não chorava, tinha os seus grandes olhos negros fitos no vácuo, onde se erguia talvez, como um espectro saudoso, todo o seu passado...
  • O Novo Status Social: A revelação de que o pai era visto como um ladrão (embora a mãe acreditasse em sua honestidade) explica a subsequente miséria. A mãe se torna a "viúva de um ladrão", uma "mulher vilipendiada" que não podia continuar na mesma classe social, e o cortiço era o único lugar que lhes competia.
Quando abria os olhos via-me cercada de coisas que não vira pouco antes a meu lado : uma manta a cobrir-me os joelhos, a cabeça sobre o travesseiro, e, para que me não importunasse as moscas, um quadrado de escócias transparente a tapar-me o rosto Os dias sucediam-se sem que se notasse a menor alteração em nossa vida. Levantava-me tarde. Minha mãe deixava-me agasalhada no leito e ia trabalhar silenciosamente.
Nosso almoço era café e pão : café sem leite, muito fraco. O meu quinhão era sempre o maior. Findo o almoço, ia eu, como na véspera, para a porta, attrahida pelos gritos ale­gres das crianças e d'ali voltava chorosa, oprimida pela superioridade das outras, muito mais fortes do que eu.
A Infância Marcada pela Pobreza e Humilhação
A queda social é abrupta e a pobreza é descrita com detalhes dolorosos, contrastando com as vidas abastadas que Martha passa a observar. A vida de Martha e sua mãe no cortiço de São Cristóvão é definida pela labuta extenuante da mãe e pela solidão, humilhação e exposição à miséria de Martha.
A pobreza é imediata e total: a mãe de Martha não tinha mais criados e se viu obrigada a "engomando para fora, desde manhã até á noite," sem resignação, arrancando suspiros do peito magro. O trabalho constante arruinava sua saúde, deixando-lhe queimaduras nas mãos e aspereza na pele dos braços pelo sabão.
O ambiente do cortiço é descrito como "mal alumbrado, infecto, húmido", com um corredor comprido e fétido (infecto), onde o ar entrava "contrafeito," e a água das tinas empoçava entre as pedras desiguais da calçada
  • As Condições de Vida: Mãe e filha passam a viver em um "cortiço de São Cristóvão", uma alcova estreita, úmida, escura e infecta, num corredor comprido.
  • A Luta da Mãe: A mãe, vestida com um "pobre traje de viúva, já velho e russo", era tísica (doente) e trabalhava incessantemente "engomando para fora, desde manhã até á noite", com as mãos queimadas e a pele dos braços áspera pelo sabão.
  • Fome e Fracasso Material: Martha tinha um almoço pobre de "café sem leite, muito fraco" e pão. A mãe tinha que trabalhar dobrado para pagar vinho fino e remédios quando Martha adoeceu. Ela não podia nem sequer levar a filha "tão pobrezinha para a escola" até receber roupas de caridade.
"outro, em que habitamos um cortiço de São Cristóvão. Ali já minha mãe não tinha criados, nem mesmo a velhinha que nos acompanhava outrora, e que partiu não sei para onde, nem com quem. Lembro-me de que vivíamos nós duas sós; minha mãe engomando para fora, desde manhã até á noite, sem resignação, ar­rancando suspiros do peito magro, mostrando continuamente as queimaduras das mãos e a aspereza da pele dos braços estragada pelo sabão.
Cresci vagarosamente, como se me não bastasse para o desenvolvimento o espaço estreito d'aquela ai cova, em que, de verão a de inverno, minha mãe trabalhava, vestida com o pobre traje de viúva, já velho e russo, mal arranjado em seu corpo de tisica, muito delgado".
  •  O Vexame da Caridade: A pobreza extrema a expõe à caridade. Ela é humilhada ao receber roupas velhas (um vestido vermelho) da filha de uma freguesa, Lucinda. Martha se sentiu "humilhada" e "indignada" por receber a esmola, questionando por que não tinha "igual direito a possuir tudo, como a Lucinda, sem pedir ou aceitar esmolas?".
"— Parece um macaquinho! exclamava Lucinda desferindo umas risadinhas agudas, a olhar para mim.
Eu corava e tinha ímpetos de o arrancar do corpo. Viravam-me de costas... de frente de lado... faziam-me levantar os braços, abaixa-los e dobra-los. Prestei-me como um autômato, indignada sem saber porque; revoltada, mas submissa e tremula. Quando minha mãe agradeceu a esmola, senti parar-me o coração. Porque não teria eu igual direito a possuir tudo, como a Lucinda, sem pedir ou aceitar esmolas?"


Exposição à Violência e ao Vício

A vida no cortiço expôs Martha à faceta mais brutal da pobreza, contrastando com o afeto de sua mãe:

  • Violência Doméstica: A vizinha Ilhôa (mãe de Carolina, Maneco e Rita) batia nos filhos e injuriava o marido. Martha assiste à brutalidade quando Carolina é espancada por dar um bocado de carne com farinha a Martha, que estava faminta. 
  • Alcoolismo Infantil: Martha convive com Maneco, o filho da vizinha, que cheirava "sempre a cachaça" e vivia fumando pontas de cigarros encontradas no chão. O vício foi ensinado por um vendeiro para rir. Martha testemunha um acesso violento de embriaguez de Maneco e a fúria e o desespero da mãe. Mais tarde, um médico declara Maneco incurável devido ao vício, morrendo logo depois, magro e frágil. 
  • Crimes: O cortiço era um lugar de "misérias e a todos os vícios". Um assassinato a facadas ocorre ali (Túlio é morto por Giovanni por dinheiro). O horror desse crime perturba Martha profundamente, levando-a a noites de terror e insônia.ir ou aceitar esmolas?

A mãe compreende que só a educação pode quebrar o ciclo da pobreza. Ela só se sente capaz de enviar Martha à escola pública quando a filha tem o vestido doado (a roupa), para que possa ir asseadinha. As horas de trabalho da mãe são diretamente convertidas em dignidade para Martha, como o vestido branco e a fita azul usados no exame, que custaram quantas horas de trabalho.

"... mãe respondeu que não.
— Mas porque a não mete na escola?! Ela já tem idade de aprender...
— E que eu não podia mandar minha filha tão pobrezinha para ir a escola... agora que
tem esta roupa sim, posso trazê-la asseadinha e levá-la lá.
— Faz bem, faz bem, disseram ameigando-me, as bondosas senhoras.
Voltei nesse dia mais alegre para a nossa tristonha alcova da estalagem de S. Cristóvão.
Passei a tarde toda Da porta, com as crianças da vizinha; a Carolina, o Maneco e a Rita".


O Propósito do Sacrifício
O sacrifício da engomadora não é apenas para a sobrevivência diária, mas para garantir que Martha consiga se sustentar com dignidade e firmeza quando ela morrer. A mãe projeta em Martha toda a sua esperança: guardava os prêmios da filha no cofre, dizendo que ali estavam seu passado e o meu futuro.

A angústia de Martha (que culmina no desejo ser professora para escapar do cortiço) é diretamente impulsionada pela miséria e pela vergonha social, mas a mãe, por sua vez, reforça a importância da inteligência e do esforço para que a filha alcance a ascensão social


A Viagem Terapêutica a Palmeiras

  • Crise de Saúde: Martha desenvolveu uma tosse cruel e uma febrinha impertinente. Além disso, sofria de vertigens e horas de humor execrável, fechando-se em um silêncio agressivo e doentio
  • Aconselhamento Médico: O médico aconselhou que Martha se casasse, atribuindo seus sintomas ao histerismo. Alternativamente, sugeriu uma viagenzinha, distrações e ar puro.
  • O Sacrifício Materno: A mãe de Martha, em lágrimas, buscou a ajuda da mestra (D. Aninha). Ela pediu dinheiro adiantado a um freguês antigo (Miranda) para comprar sapatos, alguma roupa branca (que perfumou), e passou a noite em claro para concertar um vestido a mais. A mestra organizou a viagem de um mês para Palmeiras.
  • Chegada e Acomodação: A viagem transcorreu bem, com a estrada sendo lindíssima e a mata esmaltada de flores. Em Palmeiras, elas se encontraram com o senhorio, o doutor Gunning, e foram alojadas numa casa branca com varanda. O local era de ar fino, aroma saudável, tranquilidade e beleza.
  • Rotina e Companhia: A rotina incluía longos passeios com D. Aninha, que lia, enquanto Martha se dedicava ao crochê ou à escrita para a mãe. Martha sentia-se em um recanto sossegado e bonito.
Ela fazia as malas para ir passar um mês no campo, era Palmeiras, onde alugara casa. Combinou-se tudo : minha mãe pediu dinheiro adiantado a um freguês antigo, o Miranda, homem generoso e bom, comprou-me sapatos, alguma roupa branca, que perfumou com pétalas de rosa e folhas de malva-maçã, concertou-me um vestido a mais, passando para isso a noite era claro, comprou-me
a passagem, e entregou-me com um sorriso animador e confiante á mestra, pedindo-me que lhe escrevesse sempre, sempre....
Ao despedir-me dela, desatei a chorar convulsivamente.... e arrancaram-na a custo de meus braços.

  • Descrição de Luiz: Luiz era estudante de medicina, de rosto oval, grande bigode castanho, olhos maliciosos e ternos, cabelo ondeado e sedoso, e mãos finas, esguias e brancas. Ele era caracterizado pela mestra como tendo inteligência, muita pretensão, e aventuras amorosas.
 "Ao voltarmos para casa ofereceu-me o braço e, inclinando-se para mim conversava risonho, olhando-me de perto....

Disse-me ser estudante de medicina, que o seu ideal não era a riqueza nem a ostentação, nem os falsos e efêmeros prazeres, mas sim um lar iluminado pelo olhar doce de uma esposa honesta.... um coração sincero, bondoso e terno, onde sepultasse toda a sua vida.... Eu ouvia-o comovida e feliz.

E desde esse instante idealizei o meu futuro risonho a ameno: Seria eu essa esposa, que lhe desse ventura. A nossa casa havia de ser um ninho dentro de um jardinzinho muito fresco"! 

  • A Conversa: Naquela noite, Martha se levantou mais cedo, fez um penteado novo e prendeu flores no corpete. Ela esqueceu a sua fealdade e idealizou o seu futuro risonho e ameno, onde ela seria a esposa que lhe daria ventura.
 "Aventuras amorosas, rasgos de generosidade, cavalheirismo levado ao mais requintado apuro, alguma inteligência e muita pretensão....
Cousa singular: nessa noite, no meio de sonhos atribulados e febris, confundia com o rapaz que havia três anos demorara tanto em mim os seus olhos, o que me aparecera pela primeira vez naquela manhã!

 Levantei-me mais cedo, impaciente sem saber porque ; tive mais apuro na krilette, fiz um penteado novo, e prendi no meu corpete, abotoado á militar, um ramalhete de flores ! E nesse dia esqueci a minha fealdade".

  • Os Madrigais e o Vínculo: Luiz visitava Martha assiduamente, dando-lhe flores e lendo-lhe madrigais amorosos e ternos que ele havia escrito naquele dia. Martha acreditava que ele tinha "espirito por dez homens", sentindo uma alegria saudável, nova.
Luiz lia-me então uns versos feitos nesse dia; coisas banais mas lisonjeiras, que eu achava muito bonitas.... Dava-me depois o original, com um modo significativo; eu lia e relia aquilo, cada vez mais encantada. Hoje, quando qualquer d'esses papéis me caem nas mãos, sorrio da minha ingenuidade de então!
N'uma d'essas tardes, em que ele acabara de ler-me um madrigal amoroso e terno comum arrulo, formou-se subitamente uma tempestade medonha. Os trovões rebentaram furiosos.


A Desilusão Fatal em Palmeiras

  • A Tempestade e a Americana: Durante um passeio, uma tempestade medonha se formou. Eles se abrigaram numa cabana e viram uma hóspede do hotel, a filha do paralítico norte-americano, uma rapariga "alta, bonita, rosto cor de leite e rosas", que "adorava" a tempestade. Martha percebeu que a americana "produzira em Luiz uma profunda impressão".
  • A Partida Inesperada: Martha saiu sozinha de manhã, com a esperança de um adeus de Luiz. Perto do portão do hotel, ela viu Luiz "rondava-lhe a cintura com o braço, numa intimidade que me encheu de espanto" com a filha do paralítico.
  • A Declaração de Amor: Eles estavam de costas, com os rostos "quase unidos, num embevecimento". Martha ouviu e memorizou duas frases em inglês: Luiz perguntou: "Do you love me?" (Amas-me?) e a americana respondeu: "Oh yes, yes.... with ali my heart!" (Sim, sim, de todo o meu coração).
  • Reação e Retorno: Martha sentiu-se "atônita, gelada", teve uma vertigem e respirava alto. Ela voltou cambaleante para casa, sentindo que "tinha-se desmoronado todo o meu futuro".
Pouco dormi; de manhã cedo abotoei o meu vestido escuro de gola alta, pus o meu grande chapéu de abas largas e saí, afirmando que era para despedir-me do logar. Nunca o sol me pareceu tão claro, tão luminoso e belo. Dizia-me não sei que voz intima que encontraria Luiz pela ultima vez, nessa solidão perfumada e tão digna do nosso amor! O adeus, imaginava eu, quebrará o encanto, e ouvirei enfim dos seus lábios a suprema palavra, o amo-te, que nos ligará por toda a vida! 
 
Os pássaros cantavam alegremente, saltitando de galho em galho. Num espreguiçamento voluptuoso, as hastes de trepadeiras cobertas de campanulas azuis, brancas e roxas iam-se entrelaçando, e no fundo escuro da folhagem erguiam-se como cibórios de marfim, os perfumosos copos de leite.
[...]
Nesse ernbevecimento das coisas e do sentimento que me dominava, eu foi-me aproximando da casa amarelada, lá em cima, sobre o túnel, dominando a vastidão cheia de luz. Chegando junto ao portão do hotel, entreaberto, parei atônita, gelada, como se me tivessem vestido de neve subitamente. 
 
Sentada num banco do jardim, muito perto do gradil da estrada, a filha do paralítico, com a cabecinha brilhando ao sol, e os pés mergulhados no pelo farto e negro do seu grande Terra Nova, dialogava amorosamente com Luiz! Ele rodeava-lhe a cintura cora o braço, numa intimidade que me encheu de espanto. Ouvi-lhes as vozes unidas como um murmúrio causado pela mesma quebra d'água ou a mesma ondulação da brisa. E que as palavras de ambos vinham ao fluxo da mesma onda, rolando em igual sentimento. 
 
Segurei-me aos varais de ferro para não cair, senti uma vertigem; respirava alto, escutando-lhes sem as entender mas adivinhando-as claramente, de uma nitidez infernal, as suas expressões meigas e apaixonadas.


O Regresso e a Crise Nervosa

  • O Estado Emocional: Martha voltou a ser excessivamente nervosa, tendo o gênio irregular e frenético. Ela havia "gasto toda a força afetiva da Minh 'alma", passando horas em silêncio. Os ataques nervosos se repetiram, deixando-a prostrada e enfraquecida. Quando a mãe perguntou o motivo, Martha lhe respondeu "desabrida, asperamente", sentindo remorsos depois.
  • O Sacrifício Contínuo da Mãe: Para custear os banhos de mar e as distrações recomendadas pelo médico, a mãe redobrava de atividade, prolongando os serões até tarde. Mesmo doente, a mãe trabalhava, cerrava com cuidado a janela para que Martha pudesse dormir até tarde. Durante um passeio, a mãe demonstrava extremo cansaço, estava lívida, arfante, e bebia o ar morno e grosso com dificuldade.
  • O Encontro Inesperado: Durante um passeio no subúrbio, Martha viu uma mulher elegantíssima de vestido justo e cabelo loiro singular. Essa mulher, que distribuía dinheiro às crianças pobres, era Clara Silvestre, sua antiga companheira de colégio. Martha observou que Clara tinha os cabelos pintados de uma cor de cenoura, lábios cheios de carmim, e enormes rubis nos brincos. Ela estava "altiva de porte" e não parecia infeliz. Clara revelou que uma criada sua havia morrido, deixando uma filha. Ela visitou a criança e ficou indignada por ver as roupinhas bordadas que mandara sendo usadas pelos filhos da ama, decidindo levar a criança para casa. Chamada por um grupo de rapazes em um carro, Clara se despediu apressadamente. Ela disse: "eu não mereço a sua amizade. Mas fique certa de que há muito tempo eu não tinha uma alegria como a que tive agora, vendo que...", fugindo em seguida.
    • Reflexão de Martha: Martha, embora invejasse o "brilhantismo de Clara, aquelas joias, aquelas plumas", sentiu que a confissão "eu não mereço nada" a deixava em confusão. Ela concluiu que, se Clara parecia feliz mas não o era, "quem não valia nada era eu, sempre ignorada por toda a gente, sempre feia".

O Triunfo Intelectual e o Casamento de Luiz

  • Foco nos Estudos: Martha superou sua neurose e dor, concentrando-se nos estudos. Ela envelheceu, emagreceu e trabalhou muito para os últimos exames, focando no triunfo da alma sobre o corpo que decaía.
  • A Notícia de Luiz: A professora informou Martha que Luiz iria casar-se. Martha perguntou imediatamente se era "Com a filha do paralitico?". A mestra negou, dizendo que era com sua sobrinha, Leonor, que Martha havia conhecido no baile.
  • Aceitação da Traição: A figura de Leonor, "vestida de branco... e engrinaldada de flores", apareceu nitidamente. Martha não sentiu amargura e preferia essa visão à da filha do paralítico, sentindo um "prazer maldoso, em saber esquecida aquela também!".
  • Exames Finais: Martha estava "segura, tranquila" sobre os estudos. Sua mãe, contudo, estava tremula e com medo de que a filha não passasse, pois isso significaria mais um ano inteiro de trabalho para ela.
  • A Nomeação: Martha foi nomeada professora e recebeu a notícia da nomeação no dia do casamento de Luiz.

O solicitador Miranda, nosso vizinho, fora assistir ao concurso e antecipara-se em ir dar-lhe a noticia de eu me haver saído bem. 

Recebi a nomeação de professora no dia do casamento de Luiz. Minha mãe abraçou-me jubilosa, e atônita de me ver triste.

Eu pensava na brancura de Leonor, nos seus cabelos loiros e sedosos, engrinaldados, sob o véu fino; no seu belo corpo alto e esbelto, coberto de seda branca e flores de laranjeira.... Eu pensava nas soberbas monta­nhas de Palmeiras, nas suas casas dissemina­ das entre alegres verduras, nos seus bosques

  • O Proponente: O solicitador Miranda, vizinho e freguês antigo de sua mãe, que foi assistir ao concurso de Martha, pediu sua mão. Ele era um homem "muito serio e bondoso" de "quarenta e tantos anos".
  • A Revelação das Cartas: Martha ficou surpresa, pois só o via de manhã. A mãe revelou que Miranda se "apaixonou por ti na leitura das cartas que me escreveste de Palmeiras". A mãe confessou que seu orgulho de mãe a havia levado a cometer a indiscrição de mostrar as cartas, pois as achava "tão bonitas, tão meigas e delicadas".
  • O Segredo do Pai: Em um momento de coragem, a mãe relatou a Miranda a morte do pai de Martha e a "amarga herança" que haviam recebido (o pai cometeu suicídio após ser roubado e acusado de ladrão). Miranda a fez calar-se, e sorriu para Martha, inspirando-lhe confiança e tranquilidade.
  • A Decisão de Martha: Martha hesitou, mas a mãe, padecendo, disse: "Eu não queria fechar os olhos sem te ver casada" e elogiou Miranda como um futuro marido "excelente, serio, honesto, e delicado". Martha refletiu que o casamento seria uma "vingança para os ultrajes" que sua imaginação de moça recebera sempre.
  • A Base do Amor de Miranda: Martha concluiu que Miranda amava seu "espirito". Foram as cartas, escritas sob a influência de seu amor não correspondido por Luiz, que despertaram nele a ideia de que Martha "valeria alguma coisa em um lar doméstico".
  • O Casamento: Martha casou-se com Miranda numa bela tarde de verão. A mãe, numa "lida insana", economizou para fazer-lhe um vestido de núpcias de seda branca, com flores caras e um véu longo e farto. O casamento foi marcado pela afeição serena de Miranda.

A minha maior felicidade consistiria em remunera-la com largos juros de todos os sacrifícios feitos por mim, por isso preparava-lhe um resto de vida plácido e feliz; mas coitadinha! vendo-me amparada, com um auxilio certo e honrado, deixou-se descansar da grande luta que havia tantos anos travara com a morte !

Singular organização a sua! Enquanto dependi do seu trabalho, da sua vida, da sua proteção, movia-se sempre ativa, desde a madrugada até á noite, urna lida cruel

  • A Morte Iminente da Mãe: A mãe de Martha sentia uma "expressão de ventura" no rosto. Contudo, "vendo-me amparada, cora ura auxilio certo e honrado, deixou-se descansar da grande luta que havia tantos anos travara com a morte!". Ela confessou-se exausta.
  • O Diagnóstico Médico: No oitavo dia de casamento, a mãe sofreu uma síncope. O médico revelou que o coração dela estava "completamente arruinado há longos anos", e considerou a resistência dela um milagre, afirmando que a mãe de Martha tinha sido "de aço, realmente!".
  • A Agonia e o Adeus: Martha assistiu à agonia da mãe, que tinha pernas inchadas e passava dia e noite numa poltrona. A mãe a afagou, beijou-a e fez-lhe sinal para que saísse. Martha obedeceu, e ao retornar, encontrou a mãe "reclinada para traz, sobre o espaldar da cadeira, serena, adormecida": estava morta.
  • O Desespero de Martha: Martha teve ataques violentos durante toda a tarde, rasgando o vestido, mordendo-se, batendo com a cabeça, num desespero atrocíssimo. Ela se postou de joelhos ao lado da mãe morta, "não me arredei d'ali".
Atrocíssimo! As Ave-Marias levantei-me e fui postar-me ao lado da minha adorada morta ; não me arredei d'ali, de joelhos entre o leito e a janela aberta por onde entrava a viração perfumada da noite semeada de estrelas.



Gênero e estilo
  • Narrado em primeira pessoa (tom confessional).
  • Estilo próximo ao Realismo-Naturalismo: crítica social, denúncia da miséria, análise psicológica.
  • Forte carga sentimental e moralizante, típica do fim do século XIX.

Romance de formação (Bildungsroman)
  • Acompanha a trajetória de Marta da infância à vida adulta.
  • Mostra o processo de amadurecimento por meio de experiências de dor e aprendizado.
  • Cada etapa (pobreza, amizades, desilusões, educação, casamento, morte da mãe) funciona como um degrau da formação da protagonista.
"Foi assim que desabrochou em meu espirito essa flor Imaculada e santa — o amor ao trabalho."

Espaço e ambiente
  • Retrato do cortiço carioca (antes de Aluísio Azevedo popularizar o tema em O Cortiço).
  • Espaço urbano: pobreza, barulho, doenças, vícios.
  • Contraste entre o mundo simples/popular e os ambientes mais burgueses (ex.: viagem a Palmeiras).
"Estranhava aquella moradia, com tanta gente, tanto barulho, num corredor tão comprido e infecto."

Personagens e simbologias
  • Martha: protagonista, representa a luta da mulher pobre por dignidade.
  • Mãe de Martha: símbolo do sacrifício feminino.
  • Luiz: primeiro amor → desilusão.
  • Miranda: casamento sem amor → opressão social.
  • Maneco: infância corrompida → crítica à miséria.
  • Personagens secundários funcionam como espelhos das desigualdades sociais.

Quem foi Júlia Lopes de Almeida
  • Nascimento: 1862, Rio de Janeiro
  • Morte: 1934, Rio de Janeiro
  • Escritora, jornalista, abolicionista e feminista.
  • Uma das primeiras mulheres a se destacar na literatura brasileira.
  • Participou da fundação da Academia Brasileira de Letras, mas não foi aceita como imortal por ser mulher.
"Sou uma mulher que escreve num país onde isso ainda causa estranheza."

Temas centrais de suas obras
  • Condição feminina no Brasil do século XIX.
  • Questões sociais: pobreza, educação, desigualdade.
  • Crítica às estruturas patriarcais e à opressão da mulher.
  • Valorização da educação como instrumento de emancipação.

Principais obras
  • Memórias de Marta (1899) – romance de formação feminina.
  • A Família Medeiros – costumes paulistas.
  • A Falência (1901) – crítica ao casamento e às aparências sociais.
  • A Viúva Simões – drama familiar e social.
  • Livro das Noivas – manual doméstico e educativo.
  • Contos Infantis – literatura para crianças (em colaboração).

Memórias de Martha
  • Primeiro romance da autora.
  • Narrado em primeira pessoa por Martha.
  • Trajetória: infância no cortiço → educação → desilusões amorosas → casamento imposto → morte da mãe → conquista do magistério.
  • Obra que mescla crítica social e formação individual.
QUESTIONÀRIO

1) Li os versinhos. Guardei-os. Eram muito bonitos. Hoje, não sei por quê, me parecem banais...

A narradora comenta sua leitura de versos recebidos na juventude. Essa observação oferece uma pista sobre a relação entre identidade e literatura.

Qual reflexão sobre o ato de ler está presente nesse trecho?

a) O tempo torna a leitura poética menos compreensível, afastando a narradora de seus sentimentos antigos

b) A narradora relativiza a beleza dos versos com base em sua maturidade, revelando que a percepção estética é subjetiva e mutável.

c) O trecho critica a literatura romântica de forma objetiva, mostrando que os poemas são sempre artificiais.

d) A fala representa uma contradição forçada, usada apenas para distanciar a narradora de sua juventude.


2) O negro, o medonho portão do cortiço, aberto como uma goela esfaimada a todas as misérias e a todos os vícios!

A escolha das palavras no fragmento revela não apenas o cenário, mas também o estado emocional da narradora. Nesse sentido, é correto afirmar que o vocabulário contribui para a construção simbólica do ambiente na medida em que

a) o uso de palavras de conotação negativa intensifica o sentimento de rejeição da narradora em relação ao espaço em que vive.

b) a imagem do cortiço é construída com base em detalhes técnicos, voltados à caracterização arquitetônica.

c) as expressões usadas mostram carinho e apego da narradora ao lugar em que cresceu.

d) o texto utiliza termos descritivos neutros para apresentar o cortiço com objetividade.


Tomamos o bonde; olhei para trás, ele entrara também! Apeámo-nos na esquina, ele apeou-se e seguiu-nos! Senti momentaneamente um grande júbilo, mas veio-me em seguida um pavoroso medo (...).

3) Considerando que a pontuação contribui para criar ritmo e intensidade, qual é o efeito do uso da pontuação na construção da cena retratada no texto?

a) As pausas frequentes provocam lentidão, reforçando a monotonia da narrativa.

b) O uso de pontos e vírgulas e exclamações marca um ritmo acelerado, que acompanha a tensão emocional da narradora

c) Os sinais de pontuação não afetam o ritmo da leitura, pois são usados apenas para organizar a gramática.

d) A pontuação reforça a neutralidade da narração, permitindo que o leitor tire suas próprias conclusões.

Senti momentaneamente um grande júbilo, mas veio-me em seguida um pavoroso medo de transpor à sua vista o negro portão do cortiço...


4) O trecho exemplifica o modo como a narrativa equilibra emoção pessoal e crítica social, revelando que a narradora se insere no discurso com

a) forte subjetividade e predomínio do ponto de vista pessoal da narradora.

b) impessoalidade e neutralidade, sem marcas de julgamento ou emoção.

c) predominância do discurso direto, o que reforça a objetividade da cena narrada.

d) uso da terceira pessoa, que dá distanciamento emocional à experiência vivida.


5) Tive vergonha. Não era pela roupa, não era pelo cabelo em desalinho. Era o conjunto. Era eu. Estava tão diferente de mim! (...) Estava como os outros me viam.

No trecho, a narradora revisita um momento marcante de sua vida, confrontando sua autoimagem com a forma como era percebida socialmente. A tensão no relato contribui para a construção da identidade da personagem. Do ponto de vista da construção narrativa, esse momento revela que

a) a personagem reconhece que sua aparência física sempre representou com exatidão quem ela era por dentro.

b) a vergonha da narradora está relacionada ao julgamento externo, mas é superada por sua consciência de pertencimento ao cortiço.

c) o sentimento de estranhamento diante da própria imagem é causado pela contradição entre sua identidade interna e a percepção dos outros.

d) o incômodo da narradora decorre da comparação entre seu passado e a vida confortável que passou a ter posteriormente.



6) Em Memórias de Martha, a narradora compartilha suas experiências de forma subjetiva, com ênfase nas emoções e no ponto de vista pessoal. Diferentemente de textos jornalísticos ou científicos, o foco não está na transmissão objetiva de fatos.
Com base nesse aspecto, é correto afirmar que o texto literário

a) compromete-se com a precisão factual e a neutralidade informativa.

b) tem como principal objetivo convencer o leitor por meio de argumentos lógicos.

c) trabalha com recursos expressivos e subjetivos para construir sentidos simbólicos e afetivos.

d) apresenta informações técnicas sobre a vida social brasileira no século XIX.



7) Apesar de ficcional, Memórias de Martha apresenta espaços, situações e emoções que parecem reais, como a descrição do cortiço, a relação com a mãe ou a dificuldade de acesso à educação. Esse efeito de realismo é construído principalmente por:

a) Uso de dados estatísticos e de fontes documentais para embasar o enredo.

b) Estratégias de narração em primeira pessoa e de descrição sensorial, aproximando a ficção da experiência vivida.

c) Repetição de fórmulas típicas de contos de fadas, com linguagem neutra e universal.

d) Estilização poética e ausência de conflitos pessoais, o que reforça a abstração do enredo.



8) Em certos momentos, Memórias de Martha adota recursos normalmente associados à poesia, como repetição de estruturas, metáforas visuais e ritmo cadenciado, apesar de ser escrito em prosa. Esse cruzamento entre prosa e poesia se evidencia, por exemplo, quando

a) a narradora abandona o enredo para citar um poema clássico em forma de homenagem.

b) a narrativa assume linguagem direta e técnica, sem elementos líricos ou afetivos.

c) a escolha das palavras, o ritmo das frases e as imagens sugeridas revelam um uso poético da prosa.

d) a estrutura do texto passa a ser em versos rimados, conforme se aproxima do fim.

9) Ao descrever o cortiço, a narradora de Memórias de Martha diz que ele era "aberto como uma goela esfaimada a todas as misérias e a todos os vícios".
No trecho, o efeito de sentido da palavra "goela" está associado a um uso

a) denotativo que descreve fielmente a arquitetura do local.

b) conotativo que transforma o espaço em símbolo de exclusão e de degradação social. 

c) técnico para descrever o esgoto do cortiço, de acordo com relatórios urbanos.

d) literal da linguagem, que visa à neutralidade e à precisão descritiva.

10) Ao longo da narrativa, Martha menciona gravuras, o som do piano, danças populares, leitura de cartas, jornais e até retratos, compondo um mosaico sensorial da época. Essa relação entre literatura e outras formas de arte e comunicação contribui para a Interpretação Textual

a)   redução do caráter literário da obra ao aproximá-la das mídias populares.

b) intensificação da autenticidade do contexto histórico, enriquecendo a ambientação narrativa. 

c) limitação da linguagem da obra ao campo visual, prejudicando o desenvolvimento do enredo.

d) inserção de intertextualidades modernas, como redes sociais e mensagens eletrônicas.


11) Leia as afirmativas a seguir sobre o romance Memórias de Martha, de Júlia Lopes de Almeida.

I. Ao adotar o formato memorialístico em primeira pessoa, a obra consolida seu viés poético-literário por meio de uma narração subjetiva e sentimental, que retrata os problemas enfrentados pela sociedade brasileira em meio ao processo de urbanização, apresentando personagens que refletem o idealismo romântico e as convicções nacionalistas acerca do futuro do país.

II. Inicialmente publicada em folhetim, a obra de Júlia Lopes de Almeida antecede o lançamento de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e promove uma reflexão acerca das condições de desigualdade e precariedade vividas por moradores de um cortiço no Rio de Janeiro, utilizando elementos do Realismo e do Naturalismo para dar verosimilhança à sua narrativa.

III. A obra articula a denúncia social com a caracterização psicológica e a exploração da interioridade da narradora-personagem, utilizando o olhar de Martha como mecanismo para discutir o impacto da desigualdade social e das expectativas sociais sobre as mulheres, apresentando, por meio da sensibilidade da narradora, as dificuldades cotidianas vividas pelas colegas de escola e pelas vizinhas do cortiço.

Estão CORRETAS
a) Il apenas.
b) l e Ill, apenas.
c) Il e Ill, apenas.
d) I, ll e lil.



12) Em Memórias de Martha, a revelação sobre o que levou Martha e a mãe a irem morar no cortiço leva a protagonista a

a) lamentar as decisões do pai, que, em nome da ambição, optou por roubar os patrões, o que resultou em sua morte e na queda social da família.

b) compreender a fragilidade da reputação feminina, visto que a falsa acusação sobre o pai resultou no desprezo social vivido pela mãe, que chega a se esconder de velhas amigas da família quando as encontra na rua.

C) desejar vingança pela injustiça sofrida pela família, o que a leva a conquistar um cargo público em nome do objetivo de ter dinheiro suficiente para fazer a antiga empresa do pai ser processada por causar sua morte.

d) entender o comportamento devoto da mãe ao trabalho, visto a crença da matriarca de que, por meio do trabalho, ela irá conseguir restituir a reputação da família apesar dos crimes cometidos pelo marido.

13) Texto | - Os meses foram correndo. Eu estudava muito, mas, ou pelo esforço intelectual, ou por fraqueza física, estava sempre nervosa, irritada e magra. A minha preocupação constante era ser vítima de um desastre imprevisto.
    Nunca cheguei a casa que não esperasse encontrar minha mãe morta, nunca atravessei uma rua que não imaginasse ser esmagada por um carro, nunca desejei uma viagem que não temesse um naufrágio.
     Escondia essas coisas com recato, mas não podia fugir delas, numa obsessão imperiosíssima!
ALMEIDA, Júlia Lopes de. Memórias de Martha. São Paulo: Via Leitura, 2024.

Texto Il - Mundano, sujo, inferno e veneno
Frio, inverno e sereno
Repressão e regressão
É um luxo ter calma, a vida escalda Tento ler almas pra além de pressão
EMICIDA. Principia. In: EMICIDA. AmarElo.
São Paulo: Laboratório Fantasma, 2019. Faixa 3.

Com base na leitura do romance Memórias de Martha e no fragmento apresentado da música "Principia", do rapper Emicida, assinale a alternativa CORRETA.

a) Os dois textos aderem ao uso de recursos poéticos e expressivos para propor uma crítica à forma como os transtornos mentais são banalizados, defendendo que a causa do sofrimento psíquico está atrelada a condições biológicas e físicas.

b) O texto I utiliza a estrutura em prosa para propor uma análise objetiva acerca das doenças psicoló-gicas, cumprindo com um propósito informativo, enquanto o texto ll utiliza o lirismo para retratar o lado emocional do sofrimento psíquico.

c) Os dois textos, embora pertençam a gêneros distintos, dialogam ao expressar os impactos que a desigualdade e a violência social podem ter no psicológico dos indivíduos.

d) Enquanto o texto I retrata o sofrimento psicológico em nível individual, desvinculado das condições sociais em que a narradora vive, o texto Il explora a crítica do eu lírico ao fato de que o bem-estar mental é um privilégio social.

14) Assinale a alternativa que descreve INCORRETAMENTE um personagem da narrativa Memórias de Martha, de Júlia Lopes de Almeida.

a) Carolina é descrita por Martha como uma garota bondosa, uma flor em meio ao pântano do cortiço, que trata a protagonista com cuidado, chegando a lhe oferecer um pouco de sua própria comida. Sua dedicação à família resulta em uma personalidade compassiva, na qual a personagem demonstra colocar os outros à frente de si mesma.

b) Maneco é o irmão mais novo de Carolina, sendo descrito por Martha como um garoto de oito anos que vive a percorrer as ruas da cidade, provocando preocupação na família. Em suas andanças, Maneco sofre um acidente de carroça que o deixa impossibilitado de andar, fazendo com que sua mãe cuide dele pelo resto da vida.

c) A ilhoa é inicialmente vista por Martha como uma mulher bruta e de pouco carinho, especialmente com os filhos. Contudo, ao longo da trama, Martha muda de perspectiva sobre a personagem ao perceber a resignação e o esforço empreendidos pela ilhoa no enfrentamento das adversidade e dos infortúnios que afetaram sua família.

d) Miranda é o vizinho de Martha e, de acordo com sua mãe, apaixonou-se por ela devido às cartas que a moça escrevia para a mãe enquanto estava no cam-po. A mãe de Martha aconselha que a filha se case com ele, ao que Martha cede, apesar de expressar que esta união não era vista sob uma perspectiva amorosa por parte dela.

15) Ao fim de dois anos fiz exame com desembaraço e firmeza: ficaram atônitas as professoras, que me sabiam tímida e nervosa.
    Foi um dia de triunfo para mim, que nunca me vira tão bonita, com o cabelo crespo a papelotes, o vestido branco transparente e a fita azul do uniforme a tiracolo.
     Aquele vestido, aquela fita, quantas horas de trabalho custaram à minha pobre mãe! Hoje vejo-os através das lágrimas de saudade e reconhecimento; então via-os entre os risos da vaidade e da ignorância, a ignorância natural na despreocupação da meninice!
     As férias! Todas as minhas condiscípulas falavam com entusiasmo nelas! Uma ia para fora, passá-las com uma tia, no campo; outras, com umas amigas alegres e ruidosas; outra, com uma irmã casada que passeava muito. E faziam projetos, rindo com prazer antecipado.
     Eu, eu sentia-me triste, como se qualquer delas tivesse a esperá-la uns abraços mais carinhos do que os que me esperavam a mim! Temia as longas horas soturnas na alcova úmida e escura, onde desde madrugada até a noite, minha mãe trabalhava sem interrupção. I.... As aves não iam cantar ali, como cantavam no jardim do colégio; o sol não entrava arrojado e luminoso pela janela do ensombrado quarto do cortiço, como pelas de moldura envernizada da aula; e, sobretudo, não teria companheiras risonhas e turbulentas [...).
ALMEIDA, Júlia Lopes de. Memórias de Martha. São Paulo: Via leitura, 2024.

Considerando o fragmento anterior e a leitura integral da obra Memórias de Martha, analise as afirmações 

( ) O fragmento apresenta as memórias de Martha acerca da sua entrada na escola, que aparece na trama como um grande marco na vida da personagem, visto que sua vocação para a educação permitirá que Martha e sua mãe saiam do cortiço.

(  ) Para descrever as diferenças entre o cortiço e a escola, a narrativa emprega o recurso da oposição, indicando que o ambiente do cortiço seria escuro e despojado de vivacidade, enquanto a escola seria sinônimo de iluminação e vivacidade.

( ) A reação de Martha ao usar o vestido novo revela o lado imaturo da personagem, que ignora os esforços da mãe para sustentar a família e que se envergonha da pobreza em que elas vivem, o que resultará no afastamento entre elas.

(  ) Ao descrever as diferenças entre suas férias e as das colegas, Martha retrata a desigualdade socioeconômica que existe entre ela e as outras meninas da escola, sendo esse desequilíbrio uma dor constante na infância da personagem, que se ressente por não poder ter acesso aos mesmos recursos que as meninas mais ricas.

Assinale a alternativa CORRETA.
a) V- V- F- V.
b) V -F- V- F.
c) F- V- F -V.
d) V- V- F -F.

16) A respeito dos meus estudos estava segura, tranquila, de uma tranquilidade mesmo como nunca tivera em vésperas de exame. Minha mãe, não, disfarçava mal a sua inquietação; sentia-a trêmula, ao pé de mim. Não teve coragem de acompanhar-me; pediu a professora como último favor que me levasse e animasse; beijou-me quando eu saí, fingindo-se forte, mas li no seu olhar úmido toda a fraqueza que a invadia nesse instante. Tinha razão para recear de mim; se me não saísse bem, ela teria de trabalhar um ano inteiro ainda, com poucas vantagens, esgotando o pouquíssimo resto de vida, numa luta contínua!
     Com que orgulho eu penso na desvelada solicitude que tem em geral a mulher brasileira para o filho amado
   Não o repudia nunca, trabalha ou morre por ele. Coração cheio de amor, perdoemos-lhe os erros da educação que lhe transmite e abençoemo-la pelo que ama e pelo que padece!
ALMEIDA, Júlia Lopes de. Memórias de Martha São Paulo: Via Leitura, 2024.

A partir da leitura do fragmento anterior e considerando aspectos do enredo e da crítica sociocultural presentes em Memórias de Martha, faça o que se pede.

a) Explique como é construída a relação entre Martha e sua mãe na narrativa. De que maneira a obra revela os sentimentos, os conflitos e os papéis desempenhados por ambas, especialmente diante das dificuldades enfrentadas por elas na narrativa? Quais elementos da trama ajudam a compreender a profundidade e a complexidade dessa relação?

b) Considerando o contexto histórico do século XIX no Brasil, reflita sobre os papéis tradicionalmente esperados da mãe e da mulher nesse período. Quais as contradições e os dilemas sociais que o texto de Júlia Lopes de
Almeida sugere?

 


17) Ao narrar sua infância e juventude, Martha revela uma vivência de exclusão, privação e estigmatização. As descrições do cortiço, do medo de receber esmolas e da vergonha de ser vista pelos outros em situação de pobreza evidenciam o peso da desigualdade social na formação de sua identidade.

a) Analise como a narradora expressa o impacto da pobreza em sua vida e indique trechos da obra que revelam essa experiência de forma simbólica e emocional.
Reflita sobre a escolha da autora em dar voz a uma personagem feminina pobre para narrar sua própria história.

b) De que forma isso contribui para a crítica social na obra?

 


18) Memórias de Martha é narrado por uma personagem que, mesmo jovem, demonstra grande consciência sobre os limites impostos às mulheres de sua época, tanto no campo afetivo quanto no social e intelectual.

a) Compare dois momentos da obra em que Martha se depara com expectativas sociais relacionadas ao papel da mulher. Como a personagem lida com essas pressões?

b) É correto afirmar que a obra propõe uma crítica ao lugar da mulher na sociedade patriarcal do século XIX? (Justifique sua resposta) 

 


19) Ao narrar sua trajetória, Martha relembra sua infância marcada pela pobreza e pelo estigma, mas também questiona. de forma sutil, as ideias preconceituosas da sociedade sobre as mulheres, os pobres e os que vivem à margem.

Sua história, contada em primeira pessoa, funciona como um registro das violências simbólicas e das resistências silenciosas de pessoas menos favorecidas e menos presentes nos registros históricos.

a) De que forma a narrativa de Martha contribui para ampliar a compreensão sobre desigualdades e preconceitos que ainda existem na sociedade brasileira?

b) Por que obras como Memórias de Martha são importantes para a preservação da memória histórica? Em sua resposta, considere os apagamentos de vozes femininas, populares e marginalizadas no passado e no presente.


20) Júlia Lopes de Almeida foi uma das autoras mais respeitadas de sua época, mas não foi aceita na fundação da Academia Brasileira de Letras por ser mulher. Hoje, sua obra volta a ser estudada com atenção, em especial por trazer à tona experiências femininas com sensibilidade, crítica e profundidade.

a) Com base na leitura de Memórias de Martha, identifique elementos da narrativa que se relacionam com a trajetória da própria autora e reflita sobre como a experiência feminina é representada no romance.

b) Qual é a importância de resgatar autoras como Júlia Lopes de Almeida no currículo escolar? Que contribuições a leitura dessa obra oferece para a compreensão da literatura como instrumento de memória e reflexão social?



21 Em Memórias de Martha, a narradora se refere ao cortiço como "uma goela esfaimada a todas as misérias e a todos os vícios". Esse espaço, marcado pela exclusão, representa uma realidade social ainda presente em muitos contextos urbanos brasileiros. A imagem do cortiço também é central em O cortiço, de Aluísio Azevedo, romance naturalista publicado cerca de dez anos antes.

a) Com base na leitura de Memórias de Martha, explique como o cortiço afeta emocionalmente a protagonista e que papel simbólico ele desempenha na construção da obra.

b) Considerando que O cortiço também retrata esse tipo de moradia, por que o espaço do cortiço foi escolhido por diferentes autores como cenário para denunciar injustiças sociais?




Gabarito: 1) B     2) A     3) B     4)  A    5) C    6) C    7) B    8) C    9) B    10) B
    
              11) C   12) B   13) C  14) B   15) A




















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